Em 1871, o poeta Arthur Rimbaud escreveu numa carta “je est un autre” [eu é um outro] – uma afirmação profundamente influente para o subsequente entendimento do sujeito ocidental moderno como um ser fragmentado, dividido e aberto ao outro. Para Rimbaud, o poeta ou o artista têm qualidades de visão especiais e uma criatividade baseada na dissolução do ser. Pouco mais de cem anos depois, o poeta e filósofo caribenho Edouard Glissant articulou uma visão mais complexa, relacional e mundialista da identidade como base para a criatividade humana. Glissant apelou para uma poética do relacionamento onde as identidades seriam múltiplas, crioulas e globais. O 'eu´ passa a ser 'nós'.
Esta seleção de obras em vídeo reflete a transição de subjetividades individualizadas e modos de criação característicos do património do modernismo artístico para uma nova maneira de ver o mundo contemporâneo das imagens. Este modo de ver gira em torno do descentramento do olhar eurocêntrico, extrativo, masculino (branco), e dos traços da desordem que se encontram logo abaixo da superfície da circulação sempre crescente de imagens no capitalismo neoliberal global.
Muito embora estas obras tenham geneaologias, métodos e intenções artísticas muito diferentes, coletivamente elas exploram e jogam com padrões, ressonâncias, códigos, ritmos, visões científicas do mundo, algoritmos e arquivos, de forma a desmantelar a visão colonial e o tempo colonial.
Haroon Mirza’s \/\/\/\ /\/\/\/\ (Aquarius) (2017) é uma meditação rítmica sobre identidades europeias em mudança, pesquisa científica e mudanças de paradigma na consciência humana, que sugerem uma nova metafísica visual e sonora da Era de Aquário.
As obras de Mónica de Miranda, “Red Horizon” e “All the Burns” (2020), encenam uma reflexão poética e lírica sobre a forma como os fantasmas do colonialismo português e europeu assombram as paisagens e arquiteturas dos territórios pós-coloniais.
O filme de Alia Syed, “On a Wing and a Prayer” (2016), é inspirado na notável história de Abdul Rahman Haroun, que atravessou a pé o Eurotúnel, de França para Inglaterra, em 2015. O filme de Syed consiste numa performance na qual faz uma travessia a pé de um outro túnel em Londres, o Rotherhithe, com câmaras presas ao seu corpo – dando ao espetador a mesma perspetiva de Haroun - num ato de solidariedade artística.
E, por último, a curta-metragem do artista neerlandês Remy Jungerman “BROOS” (2022) é uma colagem sonora e visual de fotografias e imagens de arquivo de rituais ancestrais, realizados por descendentes dos Bakabusi na plantação de Rorac no Suriname, a terra natal do artista. O filme e a banda sonora do compositor de jazz Jason Moran fazem uma elegia comovente à poética da resistência das comunidades quilombolas na ex-colónia holandesa.